UMA TRAJETÓRIA POLÍTICA QUE NASCE DA INDIGNAÇÃO
Se existe um tema que move toda a família brasileira, de norte a sul, de leste a oeste, é a saúde. Quandoum ser humano adoece, ou alguém da sua família adoece, tudo se complica. Sem saúde, não há escola, não há trabalho, nem serviços domésticos. Muito menos há lazer. Por isso esse é um dos assuntos mais importantes para o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS).
Médico, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e na vida pública há quase 40 anos, Terra foi superintendente do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Foiprefeito de Santa Rosa (RS), secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, por dois mandatos, e deputado federal por sete mandatos pelo MDB, partido que auxiliouem 1986.
Toda a sua trajetória no setor público, principalmente quando o assunto em pauta eram as questões sociais, o levou a assumir o Ministériodo Desenvolvimento Social durante o governo de Michel Temer (2016-2018).Em 2019, Terra foi ministro da Cidadania (2019-2020)– pasta que resultou da fusão dos ministérios da Cultura, do Esporte, do Trabalho e do Desenvolvimento Social. Seu nome foi escolhido pelo então presidente eleito, Jair Bolsonaro, ainda durante a transição de governo.
Da Medicina à política
Mas, para entender a sua trajetória, é necessário retornar até onde tudo começou. Foi a atuação de Osmar Terra na Medicina que o levou a participar da política. Isso foi ainda nos anos 1980, quando trabalhava como médico em Santa Rosa (RS). A falta de um sistema público de saúde naquele tempo fez com que Terra e alguns colegas decidissem realizar atendimentos voluntários nos bairros pobres do município.
Neste período, as pessoas que não possuíam carteira de trabalho assinada não tinham direito ao INAMPS. Não tinham direito à internação gratuita pelo INAMPS nos hospitais e nem nos conveniados. Dessa forma, tinham que pagar exames e remédios. Uma enorme parcela da população estava totalmente desprotegida. Para uns, o médico Osmar Terra podia tratar e receitar medicamentos. Eles tinham chance de melhorar. Para outros, nem o direito ao tratamento era possível. Era uma situação profundamente injusta que existia na sociedade.
No entanto, apesar de toda a dedicação dos médicos voluntários, havia ainda outro obstáculo: a falta de medicamentos e equipamentos para diagnóstico e tratamento de doenças. A saúde deveria ser um direito de todos.
A indignação com as desigualdades que impediam muitas pessoas de terem acesso integral à saúde levou Osmar Terra a aceitar o cargo de superintendente do INAMPS. À frente do instituto, ele ajudou a criar e a expandir o Sistema Único de Saúde (SUS), no Rio Grande do Sul e no Brasil, que, posteriormente, levaria atendimento gratuito e de qualidade para milhões de pessoas em todo o país. Ao expandir, não só criou os conselhos de saúde em todo o Rio Grande do Sul, como criou a secretaria municipal de saúde em todo o Brasil, em todas as cidades.
Quando foi prefeito de Santa Rosa (1993-1996), Terra coordenou a criação de equipes de Saúde daFamília, levou atendimento de qualidade para regiões pobres do município e afastadas do centro da cidade e trabalhou em ações para expandir o atendimento nas redes pública e privada de saúde. Nesse período como prefeito, ele criou as primeiras equipes de Saúde da Família no Brasil. Elas serviram de modelopara a implantação e expansão do programa em nível nacional. Também investiu em infraestrutura e em educação, além de trabalhar pela integração com municípios vizinhos, tornando Santa Rosa um polo regional.
Depois, como secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, nos governos Germano Rigotto (2002) e Yeda Crusius (2007), Osmar Terra expandiu as equipes de Saúde da Família. Na maioria dos municípios, eles nem chegavam a existir ou possuíam número reduzido de profissionais. Eram pouco mais de 300 equipes. Com incentivos criados por Terra, esse número subiu para 1.500.
Muitos anos depois, os desafios do Zika vírus
Enquanto presidia a Frente Parlamentar da Saúde da Câmara dos Deputados, em 2015,veio à tona uma questão emergencial que poderia ser catastrófica para a saúde pública: o Zika vírus. A exposição a esse vírus no período fetal pode resultar em diversas anomalias congênitas para a criança, principalmente no sistema nervoso central, gerando o que se chama de microcefalia, problemas oculares, cardiopatia, entre muitas outras alterações.
Osmar Terra recorda que, na época, começaram a nascer crianças com cérebro muito reduzido, o que é de uma gravidade extrema.Segundo ele, no Brasil, a média de casos de microcefalia provocada por várias doenças, inclusive infecciosas, é em torno de 120 por ano.
De repente,no fim do ano de 2015, esse número explodiu. Ao invés de 120 casos por ano, chegaram a ser registrados 120 por semana só no Nordeste. Até então, ninguém sabia direito o que estava acontecendo. Muitas causas possíveis foram levantadas, até mesmo poluição. Até que uma médica de Campina Grande, na Paraíba, onde existiam muitos casos, fez o diagnóstico. Foi encontrado o vírus Zica na placenta, que no Brasil é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo da dengue.
Uma das ações tomadas à época pelo deputado Osmar Terra foi alertar o governo federal, em conversa com ochefe da Casa Civil,Jaques Wagner,e com titulares dos ministérios da Previdência, do Desenvolvimento Social e Saúde, pois a situação poderia se transformar em um grave problema em todas as áreas e exigiaações imediatas.“Era preciso interferir de todas as formas e a maneiraque a gente tinha, como não existia vacina – e sequer haviatempo para desenvolver uma –, era atacar o mosquito, assim como se faz com a dengue.” Mas Terra explica queera um modo limitado, pelas dificuldades de chegar a todos os locais de reprodução do mosquito.
Terra acompanhou tudo de perto. Foi a Pernambuco, à Paraíba e à Bahia. O problema do Zika vírus vai muito além da doença em si, porque a questão mexia com toda a situação da família, seu sustento, os cuidados permanentes com crianças que exigem atenção especial e que, provavelmente, nunca viriam a andar ou a falar.
Centros de atendimento às vítimas do Zika vírus e pensão vitalícia
Então, num próximo passo, o ministro criou oscentros de atendimento às vítimas do Zika vírus em vários lugares do país, como Salvador (BA) e Campina Grande (PB), onde a epidemia foi mais forte. Como o resultado era imprevisível, Terra chegou a escrever um artigo para o jornalFolha de São Paulo, preocupado com a possívelpropagação geométrica, em que o número de casos poderia aumentarcada vez mais e mais.
Em seu alerta, escreveu que, se continuasse naquela proporção de crescimento por mais tempo, o Brasil poderia chegar a100 mil casos, o que seria uma tragédia inominável. Por sorte, isso não ocorreu. Assim como os casos aumentaram muito rapidamente, também logo se reduziramporque toda a população, principalmente as mulheres em idade fértil, foram contaminadas e quase todas desenvolveram anticorpos.
A epidemia começou no segundo semestre de 2015 e terminou já no primeiro semestre de 2016. O mal provocado pelo vírus atingiu especificamente os fetos. E por si só já era uma tragédia de proporções inimagináveis. As demais pessoas, mesmo as gestantes, tinham sintomas leves.Aos poucos, a população foi criando o que Terra chama de imunidade natural, anticorpos provocados pelo próprio vírus, em uma imunização semelhante à de uma vacina. O vírus se disseminou de forma tão rápida que sequerfoi notado pela maioria.
“No caso do Zika, a conclusão que a gente chegou é que praticamente toda aquela população –inteira da Paraíba, de Pernambuco, da Bahia, alguns casos no Ceará, outros em Cuiabá, no Mato Grosso, em Ribeirão Preto, em São Paulo e no Rio de Janeiro – estava sendo infectada em grande escala pelo vírus transmitido pelo mosquito e, assim,foram imunizadas.”
Mesmo assim, foram seis mil casos. Em todos eles, as mães receberam uma pensão vitalícia, benefício criado por meio do Ministério da Cidadania, comandado por Osmar Terra. Em alguns lugares,há centrosde atendimento às crianças, que podem permanecer no local durante o dia, enquanto a mãevai trabalhar. Nesses centros, as criançasrecebem cuidados médicos, fisioterápicos, neurológicos, entre outros serviços.
Dessa forma, a atuação presente e firme de Osmar Terra, assim como seu olhar para as desigualdades, para as famílias em situação de vulnerabilidade social, ajudou a deixar um legado para as mães e seus filhos vítimas do Zika vírus. De outra forma, a maioria delas sequer teria como sair para trabalhar e levar um sustento melhor para suas casas. Afinal, segundo levantamento recente,50,8% dos lares brasileiros são, atualmente, chefiados por mulheres (segundo o Boletim Especial 8 de Março, Dia da Mulher, de 2023,do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese).