No combate à epidemia de Covid-19 tem predominado a estratégia de isolamento das pessoas em casa, numa espécie de quarentena radical e proibição geral de atividades, com raras exceções. Tudo para reduzir a chance de contágio com o novo vírus. O modelo tem inspiração nos pesquisadores liderados por Neil Ferguson, do Imperial College de Londres, que fazem previsões catastróficas de milhões de mortes caso o isolamento radical não se concretize. Ele chega a propor 18 meses de isolamento!
Mas há quem pense o contrário. A epidemiologista da Universidade de Oxford Sunetra Gupta alerta, por exemplo, que tais premissas ignoram a grande circulação prévia e imperceptível do vírus, que sempre antecede a descoberta de novas epidemias, e o fato de que isso leva grande parte da população a já ser portadora assintomática do vírus antes mesmo de nos darmos conta da disseminação, o que aumenta o risco de contágio dentro de casa, durante qualquer isolamento.
É o aumento do contágio por assintomáticos (mais de 90% dos casos) que faz uma epidemia de um vírus sem medicação específica e sem vacina parar de progredir e terminar. A maior parte da população já imunizada reduz a progressão e acaba protegendo a parcela que ainda não foi contaminada. Isso ocorre em todas as epidemias/pandemias virais e produz um padrão em forma de uma curva, que sobe com o aumento rápido do número de casos, estabiliza quando a maioria da população já foi contaminada, e cai provocando o fim da epidemia.
É um processo inexorável, faça quarentena ou não faça. Foi assim na gripe espanhola, em 1919, na gripe asiática, em 1957, na gripe A (H1N1), em 2009, e na primeira curva do coronavírus na China. Ela dura em torno de 10 a 14 semanas. No Brasil, ao redor da terceira semana de abril deverá começar a queda do número de novos casos, terminando na primeira semana de junho. Façam ou não façam quarentena! Por isso, defendo priorizar e reforçar a proteção dos grupos de maior risco de contágio: idosos e doentes crônicos, como fazem os países com melhor resultado, como Coreia do Sul, Japão, Israel e Suécia. E complementar aplicando o maior uso de testes.
Nos países europeus que radicalizaram na quarentena, em vez de diminuir, o número de casos aumentou muitas vezes e não houve achatamento da curva epidêmica. Isso já é possível ver na aceleração de novos casos na quarentena do Brasil. Mas como a população está muito assustada, ela acredita que quanto maior o isolamento e a proibição, mais segura ela estará. Isso induz os gestores públicos a radicalizar medidas.
Quando coordenei o enfrentamento à devastadora pandemia de H1N1 no Rio Grande do Sul — o epicentro dela no Brasil —, segui protocolos científicos e não fechei escolas, comércio e indústrias porque não tive lá, como não há agora, evidências de que tais medidas reduzam o curso da epidemia. Resolvi correr o risco sanitário e político disso. A ciência prevaleceu com o controle rápido do surto, sem faltar atendimento à população.
Nesta epidemia, as consequências da quarentena radical serão arrasadoras. O isolamento e o bloqueio da atividade econômica estão precipitando uma quebradeira geral, o que será seguido por desemprego e perda de renda de gigantesca massa de trabalhadores. Não são as grandes empresas que me preocupam, mas as vítimas mais frágeis: os pequenos comerciantes e os autônomos. Um grande entendimento entre o governo federal e os estados pode pôr fim a uma situação difícil de sustentar.
Compartilho da mesma posição do presidente Jair Bolsonaro de que é possível superar a epidemia e reduzir as perdas humanas sem radicalizar com isolamentos que vão quebrar o país e jogar milhões de brasileiros na miséria. E admiro a coragem do presidente de se posicionar contra uma correnteza de pânico, se recusando a pegar carona no medo, pensando no futuro do nosso país.
No Brasil, mais de 90% da população não têm condições econômicas de seguir em isolamento por mais duas semanas. A maioria das pessoas já está passando até fome. Quantos terminarão esse isolamento sem seus empregos? Que isolamento é possível nas favelas? Ficar em casa de quarentena curtindo Netflix é privilégio de poucos.